O Último

Faltavam 30 minutos para o espectáculo, o último de todos.
Estavas a dar os últimos “retoques” na maquilhagem e no penteado. Eu observava-te, como sempre o fizera porque tu eras diferente.
Andavam sempre todos de um lado para o outro, enquanto tu ficavas na cadeira a dar “retoques” na maquilhagem.
Entravas logo no início, e eu só mesmo no fim, tão longe e tão perto ao mesmo tempo.
O contra-regra bate na porta e diz “10 minutos” a correria, o stress aumentou, mas nada em ti alterou.
Observei-te com mais atenção, reparei que tinhas uma “mini-borbulha”. Parece estupidez, sempre pensei que fosses um ser perfeito.
Quando regressei a mim estavas a levantar-te. Nós não comunicávamos muito mas um olhar, um simples olhar, foi o suficiente para perceber que algo estava mal.
Fiquei ali sentado até ao final do 1º acto.
Voltaste tão rápido como saíras, reparei que vinhas com um sorriso nos lábios mas os teus olhos continuavam a mostrar uma tristeza cada vez mais profunda.
Limitei-me a olhar para ti sem te perguntar nada.
Sentaste-te, elevaste a cabeça para o espelho, olhaste para ti e depois fixaste o olhar em mim como se algo de importante tivesses para dizer.
O contra-regra voltou a bater n porta para avisar do tempo, mas também este trazia a tristeza no olhar. Olhou para mim e saiu.
Fiquei à espera que me dissessem algo mas ninguém disse, a única coisa que continuava igual era a agitação.
O 2º acto começou virei-me de frente para o espelho, olhei-me nos olhos e concentrei-me, tudo à minha volta desapareceu, barulho, agitação como se tudo tivesse abrandado.
Levantei-me calmamente e notei algo de estranho, as pessoas, as pessoas que por mim passavam estavam assustadas, algo se tinha passado e de muito grave pois a correria, que já era imensa, tinha aumentado.
De cena não vinha um único som nem o texto se ouvia, entrei no palco e tudo olhou para mim, caminhei lentamente, estavam assustados, olhei à minha volta e não percebi o que estava mal, porque é que continuavam a olhar para mim?
Corri até à plateia, virei-me e vi finalmente o que se passava, estava um corpo caído no chão, fui até lá virei-o para cima e fiquei paralisado.
Isto não podia estar a acontecer. Olhei em redor e voltei a olhar para a face do corpo ali caído.
Era eu, o corpo que estava caído no chão, era o meu, tinha sido eu a gerar toda aquela confusão afinal, era eu o culpado da toda aquela tristeza nos olhos de John, o jovem que marcara a diferença.
Morri com 80 anos no palco, mas morri feliz porque sabia que tinha deixado pegadas, no pequeno John.